Nova Madonna? Ativista em defesa dos direitos gays? Uma maluca de olhos arregalados e figurinos esquisitos? Um novo produto de marketing? Herdeira do David Bowie dos anos 1970? Lady GaGa é um pouco de tudo isso e é um tremendo fenômeno. Seu álbum de estreia, The Fame, saiu em 2008 com músicas superdançantes e poderia ter morrido poucos dias de ferveção depois – como em geral acontece. Mas não. Praticamente todas as suas faixas (Just Dance, Power Face, Live Game* e Paparazzi) se tornaram hits internacionais e alcançaram o número um do ranking da revista especializada Billlboard (um feito raro para um trabalho de estreia). Talvez porque foi construído seguindo o modelo dos álbuns de rock dos anos 1960, em que cada música é um evento. O resultado foi um case. The Fame vendeu perto de 5 milhões de cópias no mundo inteiro. E seu relançamento (The Fame Monster) bateu em dois dias todos os recordes de downloads, algo tão improvável quanto a paz no Oriente Médio. As faixas Bad Romance e Telephone, esta em dupla com Beyoncé, não param de tocar nas rádios e seus clipes bombam na TV e na internet.
Por mais absurdo que possa parecer à primeira vista, Gaga não é só uma cantora bonitinha com boa voz à frente de uma superproduzida máquina de embalagem. Ela escreve suas próprias letras, toca seu próprio teclado (aprendeu de ouvido, aos 4 anos) e não usa playback nos shows.
“Gaga mudou o cenário nas rádios ao trazer a dance music para o centro da cena pop”, diz o blogueiro Perez Hilton. “Quando ela lançou seu primeiro CD, Just Dance,* em abril de 2008, esse tipo de música não era mais tocado nas emissoras. Agora está em todo lugar. Ela fez com que a pop music se tornasse excitante de novo, de um jeito que não se via desde Madonna”, completa. Muita gente, aliás, a tem comparado com a rainha do pop. Não é à toa que as duas foram convidadas pelo humorístico Saturday Night Live para encenar uma divertidíssima briga no palco.
Gaga inovou porque mistura em seus shows arte, moda, dança moderna e referências musicais. E isso desde os tempos em que fazia shows non-stop (que rolam 24 horas sem parar, em teatros decadentes de Nova York) junto com um grupo de amigos conhecido como House of Gaga, formado por estilistas, desenhistas de moda, produtores, e seu coreógrafo, Laurieann Gibson. O resultado são performances com toda força visual (e loucura fashion) que se possa imaginar. Entre suas aparições mais escandalosas está a apresentação no último MTV Vídeo Music Awards. Ela ganhou como artista revelação e, durante seu número, usou um top que explodia sangue fake. Os clipes não ficam atrás. Em Paparazzi, ela levanta de uma cadeira de rodas para andar depois de se livrar de sua cinta liga e, em Bad Romance, fuma ao lado de um esqueleto numa cama incendiada. Isso sem mencionar seus penteados exóticos (o cabelo loiro-platinado já virou um elefante marrom, um megalaço, um chifre de unicórnio dourado), e seus figurinos, idem (ela já desfilou com uma calda de urso polar, um colã vermelho com botas de vinil preto, um vestido de bolhas de plástico, um bustiê em forma de cone, brilhante e assim por diante). A cereja do bolo é sua brincadeira frequente com os gêneros sexuais. Abusando da maquiagem e dos acessórios, ela entra com tudo no universo dos travestis e drag-queens.
É essa qualidade metade showbiz e metade arte que a aproxima do mundo da moda. O clipe de Bad Romance tem design de Alexander McQueen. Miuccia Prada fez seu vestido para uma performance no Museu de Arte Contemporânea em Los Angeles. O artista plástico Damien Hist desenhou seu piano. “Amo Dolce&Gabbana e Versace. Adoro roupas loucas, excêntricas. Eu posso não ter dinheiro para pagar o aluguel, mas tenho que estar f… glamourous!”, diz a cantora, com sua fala pontuada de palavrões. Todo esse agito fez com que Gaga virasse um mito instantâneo, mas é óbvio que não surgiu do nada nem nasceu pronta.
Para entender Lady GaGa, é preciso saber que ela cresceu em Manhattan. Crianças que vivem nessa ilha de 20 km de comprimento, repleta de arranha-céus e povoada por 1,6 milhão de pessoas, são no mínimo diferentes. Não é fácil desenvolver personalidade própria nesse cânion de aço e concreto, onde um verdadeiro rolo compressor massifica neuroses, ambições, cultura e informação de moda. Em resumo: uma verdadeira fábrica de loucos.
Quando marquei a entrevista, Lady GaGa queria me encontrar em um restaurante no Upper West Side para mostrar o bairro onde morou com os pais, descendentes de italianos, e a irmã, seis anos mais nova, e onde estudou na escola do Convento Sagrado Coração. Ela chegou a bordo de um poderoso SUV Cadillac Escalade usando uma roupa completamente errada para o lugar e a ocasião: capa masculina Yves Saint Laurent vintage, um traje de Thierry Mugler, um casaco preto dos anos 1990 jogado nos ombros e sapatos plataforma. Nos olhos, enormes cílios postiços em cima e embaixo. Dentro de uma malinha de viagem, um cãozinho da raça shiba inu, que ela escondeu rapidamente sob a mesa. Pela camaradagem com os garçons, ficou claro que ela conhecia o lugar desde garota. Além disso, já esteve do outro lado do balcão, trabalhando como atendente em outros restaurantes. “Eu era boa nisso. Contava histórias para todo mundo e vivia de salto alto. Afinal, é quase como uma performance. Ganhava altas gorjetas”, lembra.
Nascida Stefani Joanne Angelina Germanotta, em 1986, Lady GaGa sempre quis ser artista. Seu pai dirige seu próprio negócio vendendo wi-fi para hotéis. Sua mãe também trabalhava, em telecomunicações. Ganhavam bem o suficiente para pagar o Sagrado Coração de Jesus (onde havia gente do naipe de Caroline Kennedy e Nicky Hilton, irmã de Paris Hilton). Não eram ricos, mas viviam bem pelo padrão de Nova York. Aos 17 anos, Stefani foi aceita pela Tisch School of the Arts, da prestigiada Universidade de Nova York, mas caiu fora depois de um ano. Por alguns meses, seu
pai a ajudou, pagando um aluguel também no Lower East Side, mas parou assim que ela conseguiu um trabalho e se virou sozinha.
Gaga trabalhou um tempo como go-go girl, mas foi fazendo shows de hard rock com uma banda e números de teclado num clube local que ela começou a andar com artistas e conheceu o produtor Rob Fusari (do Destiny’s Child), que lhe deu o nome de Gaga porque ela lembrava a canção do Queen Radio Ga Ga. O nome deu sorte e logo ela começou a adicionar elementos burlescos a seu show (como acender o G de seu nome com fogo) até que o produtor Vincent Herber, que tinha trabalhado com Stevie Wonder, viu um vídeo dela, voou para Los Angeles e, em 24 horas, fez com que ela assinasse um contrato. O resto, o ranking da revista Billboard explica.
Uma das coisas mais fascinantes sobre Lady GaGa é a maneira como ela está determinada a dominar as forças da mídia que parecem comer jovens talentos no breakfast e cuspi-los antes da hora do almoço. Chamar seu álbum de The Fame é uma atitude audaciosa. A fama, aliás, é um tema que ela revisita nos seus clipes e nas suas canções, sempre em performances malucas, que a mostram morrendo e ressuscitando do nada. “Sinto que, ao mostrar a minha morte artisticamente para o público, desmistifico um pouco da minha própria lenda”, explica a nova star pop. De um jeito bem louco e totalmente Lady GaGa.
*Erros na revista, Poker Face e Love Game, logo abaixo o seu primeiro cd seria The Fame.
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